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25 de Abril de 2024

Cyberbullying – O preço da vergonha

Por maior vergonha que tenhamos merecido, está quase sempre em nosso poder o restabelecimento da nossa reputação.”

(François La Rochefoucauld)

INTRODUÇÃO

“Quem nunca cometeu um erro ou fez algo de que se arrepende?” Com este questionamento, inicia-se a palestra de Monica Lewinsky, uma jovem que aos 22 anos de idade, em 1998, cometeu o erro de apaixonar-se pelo seu chefe. O único detalhe é que seu chefe, à época, era o presidente dos EUA e algumas de suas conversas, gravadas por uma “amiga”, tornaram-se públicas posteriormente na Internet.

De repente, do dia para noite, Monica passa de uma figura completamente privada e anônima, para uma humilhada no mundo todo.

A vida é cheia de surpresas e certamente todos já fizemos escolhas erradas, seja uma foto que tiramos de forma mais íntima, um vídeo que fazemos por “brincadeira” de algum colega ou mesmo um comentário, infeliz, que deprecie a imagem de alguém.

O detalhe é que, com a revolução digital, a informação chega a todos, onde quer que estejam, de forma imediata e permanente.

Um clique que reverbera pelo mundo.

Informações publicadas sem consentimento, sem contexto e principalmente sem compaixão, geram consequências devastadoras. A pessoa alvo perde a reputação pessoal em escala global e de forma instantânea. Esta é apenas uma das faces do cyberbullying ou assédio virtual.

O cyberbullying é a pratica de usar a Internet, mensagens de celular, publicação em redes sociais ou blogs com o objetivo de intimidar, constranger, expor ao ridículo, espalhar fofocas, hostilizar o físico e a aparência de outra pessoa, além de desqualificar a pessoa em razão de sua opção religiosa, sexual e características étnica e física. Trata-se, portanto, de atos de agressão física e/ou psicológica, sem motivação real, repetitivo, contínuo e de forma intencional.

Na era da supervia da informação a pressa do julgamento ativado pela tecnologia, trás milhares de apedrejamento virtual e sem medir as consequências. Comentários, compartilhamentos, ampla divulgação no whatsApp, memes, e-mails ofensivos, piadas. A pessoa é vista por muitos, mas conhecida por poucos.

É fácil esquecer que a pessoa que sofre o bullying tem uma dimensão, sentimentos, sonhos e uma alma que pode se quebrar de forma profunda e permanente. Perde-se a reputação, a dignidade, perde-se quase tudo, até mesmo a vida. Não é incomum os casos, principalmente entre jovens e adolescentes que não suportam a vergonha e comentem suicídio. Um exemplo é o caso abaixo descrito:

“Mais um caso de sexting com um final trágico foi divulgado na mídia nesta última semana. Uma adolescente de 16 anos cometeu suicídio na última quinta-feira em Veranópolis, no Rio Grande do Sul, depois de descobrir que um ex-namorado espalhou na web fotos dela seminua. Segundo informações divulgadas, a adolescente foi informada por uma amiga que fotos íntimas dela estavam circulando na Internet. A suspeita é de que a adolescente tenha se exposto através da webcam para um rapaz, que divulgou no Twitter e no Facebook as imagens.

O que pode ser constatado nesses casos que estão sendo cada vez mais expostos na mídia, é que adolescentes e jovens tem expressado sua sexualidade através de computadores e celulares (o que não é tão novo assim), porém, sem muitas vezes pensar na exposição e dimensão pública da Internet. O compartilhamento desses conteúdos tem sido transmitidos de maneira viral na rede. Além disso, existe uma grande parte da sociedade que é sexista, e que expressa seus valores morais de uma forma que condena pessoas que são expostas na Internet, em especial, mulheres/meninas. Com isso, muitos usuários, em especial adolescentes, não conseguem lidar com as ofensas e agressões a que são submetidos nesses ambientes, chegando a um nível de sofrimento que pode ter consequências como do caso apresentado.”[1]

Sameer Hinduja, Ph. D. E Justin W. Patchin, Ph. D.[2], realizaram uma pesquisa onde investigaram a relação entre suicídio e cyberbullying e alguns pontos observados foram:

  • 20% dos entrevistados responderam que pensaram seriamente em cometer suicídio em função de cyberbullying;
  • Todas as formas de bullying estão significativamente associadas com a idealização de suicídio;
  • Vítimas de cyberbullying tentam suicídio duas vezes mais comparado com quem não sofre assédio virtual.

Isso porque, em certa medida, a humilhação é um sentimento sentido de forma mais profunda e intensa do que a felicidade ou raiva.

Enquanto membros da coletividade e vivendo em uma sociedade democrática, temos o dever de “não permitir” que práticas de assédio virtual ocorram e sejam vistas como normal. Não é normal! Como cidadãos, devemos ter respeito e compaixão com a dor, sofrimento e principalmente com a vergonha de quem, de forma impensada ou não, cometeu algum erro. Todos nós cometemos erros.

Aqui não estamos tratando do comportamento de pessoas públicas que vivem de mídia e imagem, mas sim pessoas anônimas, como eu, você, seus familiares, amigos e vizinhos. Que podem ter suas vidas expostas globalmente e onde a mídia pode usar esta exposição para conseguir audiência.

Pesquisa demostram que a vergonha on-line é muito maior que a vergonha que fica restrita à família ou vizinhança.

Em 2013, ministrei uma palestra para um grupo de educadores de diferentes regiões do país. Ao final, após responder perguntas de cunho genérico, fui procurado por vários professores e diretores de escolas que relataram problemas que aconteciam em suas instituições, as consequências devastadoras e principalmente a dificuldade em tratar a questão frente à velocidade com que os fatos eram propagados nos grupos de whatsapp, redes sociais etc. Nisso não há nada de virtual.

Existem formas, preventivas, de minimizar a exposição e consequente humilhação pública, através da educação, implementação de tecnologia e com conhecimento do amparo legal. Outro caminho, infelizmente na maioria das vezes após danos diversos e tratamento emocional com o acompanhamento de psicólogos.

EDUCAÇÃO

Atualmente, infelizmente, muitos pais não tem a oportunidade de ajudar seus filhos, pois ficam sabendo da humilhação pela qual estão passando tarde demais! E as crianças e adolescentes, ainda não possuem a maturidade emocional para lidar com uma questão tão sensível que passa pela sua inclusão e aceitação no grupo social. Mesmo adultos, vítimas de cyberbullying, tem dificuldades em lidar com a questão.

Devemos estar atentos e vigilantes a comportamentos, tais como: perda de apetite, falta de vontade de sair de casa ou mesmo não quere ir a escola. Estes podem ser sinais de alguma forma de assédio virtual.

É fundamental orientar as crianças e adolescentes no sentido de procurar um adulto ou mesmo um amigo para conversar se estiver sofrendo cyberbullying. Sugiro que os pais tenham contas nas diferentes plataformas de mídias digitais e acompanhem, de forma discreta, os eventos que envolvem seus filhos no mundo virtual.

Outra ação de educação e conscientização é atuar em nossos círculos de influência, trabalhar a importância de termos respeito e compaixão com o sofrimento e exposição de terceiros e neste sentido desenvolver o comportamento neutro de não curtir ou mesmo compartilhar fotos, vídeos, mensagens que denigram a imagem de alguém.

Mais que isso, ao encontrar algo que ofenda a dignidade de outra pessoa, podemos comentar de forma positiva, dizendo que todos estamos sujeitos a cometer erros, mas que isso não nos torna pessoas indignas. Este comportamento simples ajuda na formação da cultura de repúdio ao cyberbullying.

Para quem vem sofrendo uma humilhação global, um comentário de apoio, de uma única pessoa, sempre é reconfortante e ajuda a suportar e superar a vergonha.

As instituições de ensino, por sua vez, devem não apenas ensinar a utilizar os recursos disponíveis, mas utilizar de forma ética, segura e legal, deve, também, criar políticas de comportamento para uso da tecnologia dentro de suas dependências de forma a orientar os alunos e também servir de prevenção da responsabilidade legal, além de desenvolver programas que trabalhem a conscientização do respeito à dignidade da pessoa humana. De forma ideal, estes programas devem envolver não somente o corpo discente, mas também o corpo docente e, principalmente, a rede de proteção familiar, pais, avós, tios etc. As ações devem ser contínuas para não cair no esquecimento.

IMPLEMENTAÇÃO DE TECNOLOGIA

Existem diversas soluções tecnológicas tanto para uso individual, familiar ou mesmo corporativos que permite a implementação de políticas, regras, de forma a controlar ou mesmo bloquear o acesso a conteúdos ofensivos, criar filtros por palavras chaves, sites, sendo que pode-se definir políticas de perfil de usuário por horário, dias da semana etc.

Estas tecnologias em ambiente familiar podem ajudar a evitar que crianças tenham acesso a conteúdo impróprio, são os aplicativos de controle parental. Existem outras categorias de aplicativos que permitem acompanhar a conta de rede social da criança. O aplicativo gera algumas estatísticas como faixa etária dos amigos, o uso de palavras violentas, pejorativas, palavrões, termos que contenham álcool e droga entre outras.

Já em ambientes corporativos como escolas, clubes, empresas, entre outros, as ferramentas tais como proxy, firewall etc, permitem a criação de regras de acordo com as normas da instituição e, principalmente, a adequação aos requisitos legais.

Um ponto de fundamental atenção é que toda implantação tecnológica deve ser realizada por profissional qualificado e, principalmente, norteada por um conjunto de processos e procedimentos que garantam a continuidade do serviço, estabilidade, desempenho e manutenção. Além disso, o profissional, além da capacitação técnica, deve possuir conhecimento jurídico de forma que a instalação de sistemas de controle e tecnológicos não violem direitos trabalhistas ou quaisquer outros relativos à privacidade das pessoas envolvidas.

AMPARO LEGAL

Legalmente, no Brasil, quem pratica ato que atente contra a dignidade da pessoa humana pode responder tanto na esfera penal, como na esfera civil.

Na esfera penal, temos os crimes contra a honra, que são, em ordem decrescente de gravidade: Calúnia, difamação e injúria, todos tipificados no capítulo V do Código Penal.

A calúnia, art. 138 do CP, é o ato de imputar a alguém fato definido como crime, punível com detenção, de seis meses a dois anos e multa. O § 1º, do referido artigo, estipula, ainda, que, na mesma pena incorre quem, sabendo falsa a imputação, a propala ou divulga, ou seja, incorre no crime quem curtir e/ou compartilhar tal fato, mesmo que não seja autor da notícia.

Já a difamação, tratada no art. 139 do CP, tipifica como crime o fato de levar fato ofensivo à reputação ao conhecimento de terceiros. Apena tal prática com detenção, de três meses a um ano e multa. Dessa forma, se em uma rede social você curte ou compartilha algum comentário difamatório, incorre nas mesmas penas do crime, como coautor.

Por sua vez, a injúria, art. 140 do CP, dispõe ser crime a imputação de qualidade negativa a alguém e é apenado com detenção, de um a seis meses, ou multa.

Igualmente, na esfera cível, encontramos regramento próprio a proteger quem sofre com a prática do cyberbulling. Veja, a propósito, a redação do art. 186 do CC/2002:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Sendo que o art. 932 do CC/2002, dispõe que são responsáveis pela reparação civil os pais, responsável legal e até mesmo os donos de escolas:

Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:

I - os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia;

II - o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições; IV - os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos;

Adicionalmente, o tema de cyberbullying foi tratado em lei específica, Lei 13.185/2015, que caracteriza a prática em seu art :

Art. 2º Caracteriza-se a intimidação sistemática (bullying) quando há violência física ou psicológica em atos de intimidação, humilhação ou discriminação e, ainda:

I - ataques físicos;

II - insultos pessoais;

III - comentários sistemáticos e apelidos pejorativos;

IV - ameaças por quaisquer meios;

V - grafites depreciativos;

VI - expressões preconceituosas;

VII - isolamento social consciente e premeditado;

VIII - pilhérias.

Parágrafo único. Há intimidação sistemática na rede mundial de computadores (cyberbullying), quando se usarem os instrumentos que lhe são próprios para depreciar, incitar a violência, adulterar fotos e dados pessoais com o intuito de criar meios de constrangimento psicossocial.

A referida lei, em seu art. 5º, estabelece deveres aos estabelecimentos de ensino, clubes e agremiações recreativas:

Art. 5º É dever do estabelecimento de ensino, dos clubes e das agremiações recreativas assegurar medidas de conscientização, prevenção, diagnose e combate à violência e à intimidação sistemática (bullying).

Nota-se claramente que o assédio virtual é um tema de grande relevância, razão pela qual, no Brasil, assim como Estados Unidos, Portugal, Inglaterra, entre outros países, possuem lei específica para tratar o tema.

CONCLUSÃO

A falta de compaixão, de limites, de sensibilidade às consequências emocionas devastadoras e, também, das consequências legais, leva a um ciclo onde quanto mais curtimos, compartilhamos, comentamos este tipo de assédio virtual, mais insensíveis nos tornamos às vidas humanas por trás deles. E, quanto mais insensíveis nos tornamos, mais compartilhamos. A cada curtida fazemos uma escolha, quanto mais saturamos nossa cultura com a vergonha pública, mais aceitável ela é, e assim, mais veremos comportamentos de cyberbullying.

Este comportamento é resultado da cultura que criamos e a mudança está em nossas mãos. Seja educando nossas crianças e jovens, seja influenciando em nossos círculos de amizade ou simplesmente nos colocando no lugar da vítima, percebendo como nos sentiríamos se fosse conosco, para que possamos ter compaixão com o próximo.

Assim seremos capazes de influenciar de forma positiva na formação de uma sociedade mais humana e com compaixão.

Referências

[1] http://gitsufba.net/mais-uma-adolescente-comete-suicidio-apos-imagens-intimas-serem-divulgadas Acessado: Jan./2016

[2] HINDUJA, Sameer; PATCHIN, Justin W. Bullying, cyberbullying, and suicide.Archives of suicide research, v. 14, n. 3, p. 206-221, 2010.

Disponível em: http://cyberbullying.org/cyberbullying_and_suicide_research_fact_sheet.pdf. Acessado: Jan./2016

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